sexta-feira, 18 de maio de 2012

Três Apitos - Aracy de Almeida (1965)

Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você

Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
E está interessada
Em fingir que não me vê

Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito tão aflito
Da buzina do meu carro

Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê

Mas você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você

Nos meus olhos você lê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente, impertinente
Que dá ordens a você

Que sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe porquê

Mas você não sabe
Enquanto você faz pano
Faço junto ao piano
Estes versos pra você

Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito tão aflito
Da buzina do meu carro

Noel Rosa












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